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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CATEDRAIS DE SAL


“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens.” (Mateus 5:13 RA)

    Às vezes me flagro a pensar nos tempos de seminarista e dos sonhos que alimentara a respeito de como seria o meu ministério pastoral. Hoje, já passados pelo menos uns quatorze anos percebo que muita coisa mudou em minha visão a respeito da Igreja e conseqüentemente a respeito do ministério pastoral, mas percebo que muitos seminaristas alimentam os mesmos sonhos que eu alimentei e também percebo que muitos pastores já com certo know How de ministério ainda alimentam a esperança de conquistar todos aqueles ideais dos tempos de seminarista.
            Creio que em geral o sonho de todo pastor e seminarista é pastorear uma pujante e crescente igreja, construir uma enorme catedral e às vezes em momentos surreais visualiza a igreja dos seus sonhos em um culto de domingo à noite apinhada de gente, um belo ministério de música entoando o seu estilo de música favorito, conjuntos, corais, departamentos de homens, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e outros mais. Uma boa arrecadação financeira, um “campo” extenso com muitos templos (congregações), milagres, curas e além de muita coisa mais, uma coisa muito importante; muitas pessoas indo à frente em resposta ao apelo. Ah! Ia me esquecendo de uma coisa: Um nome de proeminência e ascendência na denominação!
            Passados os anos comecei a me perguntar: Será que foi assim que Jesus planejou ou “visualizou” a Igreja? Enquanto exercia seu ministério qual seria o “sonho” de Jesus para a igreja? Qual será o sonho de Jesus para a minha e a sua igreja local hoje em dia?
            Analisando e confrontando a igreja hodierna com as Escrituras chego à conclusão de que os nossos sonhos; resultados de nossa história, tradição e estrutura tem nos levado a construir “Catedrais de Sal” ou “Catedrais cheias de Sal”.
            Uma breve análise do texto de Mt 5.13 nos revelará o quanto nos desviamos do propósito de Cristo para a igreja.
            Preste atenção em algo. Não estou dizendo que reprovo estas coisas, que reprovo estes sonhos e que não desejo o crescimento numérico. O que quero que você compreenda é que quando pensamos na igreja apenas como um grande lugar cheio de pessoas bonitas, felizes, “transformadas” por Jesus, cantando músicas bonitas e realizando outras atividades, mas que depois voltam para as suas casas e passam a semana toda sem entender o que realmente é o ministério cristão, nos enquadramos no que Jesus diz no texto citado: Somos como o sal que se tornou insípido! Sem sabor! E para nada mais presta!
            O que me indigna é que a maioria dos pastores não se dá conta disso e aqueles que tem os olhos abertos porque leram algum livro ou participaram de algum congresso ou seminário onde um preletor renomado lhes abriu os olhos não tem coragem de mudar as coisas porque é difícil.

Uma análise léxico-sintática, contextual e histórica do texto

- Vós sois o sal da terra

            1. Sal - metáfora
            2. Terra - Literal

            Precisamos entender que Jesus utilizou a palavra “sal” como uma metáfora, ou seja como símbolo de algo que vamos entender mais adiante. A Palavra “terra” é literal e Jesus escolheu esta palavra “ges” no original grego com um objetivo específico: Ela significa a terra habitada.
            O que Jesus quis dizer é que a terra precisa de sal. A terra, o mundo habitado precisa de algo que lhe dê sabor.

- O sal não pode se tornar insípido

            É interessante que em nossas versões em português geralmente a palavra “insípido” é traduzida do grego (diaphthare), que tem raiz em:

Verbo(diaphtheiro) – corromper (de mente ou de conduta), destruir e arruinar.
Substantivo (diaphthora) - corrupção, destruição. Esta palavra geralmente é usada em relação à destruição que é efetuada pela decomposição do corpo após a morte.

            A ideia é: Se o “sal” se corromper perde a sua funcionalidade, a sua aplicabilidade. Aplicando isso a vida da igreja, Jesus está dizendo que se nos corrompermos; se a verdade divina que há em nosso interior deixar de ser “verdade” e deixar de ser “divina” não servimos mais para nada. O sal tem o poder de retardar a decomposição de alimentos, mas se o próprio sal está se corrompendo não tem aplicabilidade alguma.
            Este é o maior problema da igreja em nossos dias. Os cristãos mais antigos perderam o sabor, se corromperam com os “evangelhos” capengas que tem sido ensinados na tevê, na rádio, nos livros e não conseguem transmitir aos novos discípulos a pura e simples verdade contida nos evangelhos.
            O “evangelho” que vemos ser pregado por aí parece com o “Evangelho” de Jesus, mas está deturpado, está corrompido e o poder da mídia é tão grande que o verdadeiro evangelho não encanta ou não atrai mais os próprios crentes e quiçá os não crentes!
Ninguém quer ter mais vida de oração e de devoção diária a Deus. A Bíblia já não é mais lida, estudada e apreciada como antes. O conceito de pecado mudou e tudo está sendo relativizado. O que sempre foi um pecado absoluto e concreto apontado pela Bíblia agora é tratado como relativo. Não há mais devoção, não há mais temor, não há mais obediência. Só há pessoas atraídas à igreja pela promessa de que Deus tornará as suas vidas mais felizes. Se para ter a vida mais feliz é dito que tem que fazer campanha ou corrente, então a pessoa faz. Se diz que tem que subir ao monte, dizimar, ofertar, ser “santo”, ir aos cultos, obedecer etc. então a pessoa faz. 
Quando ela se decepciona com o “deus” que lhes foi apresentado então ela volta atrás e abandona a fé. E o pior é que muita gente quer ir pro céu, mas não tem disposição interior para obedecer ao Senhor e vive uma fé oca, vazia, sem sabor, sem influenciar a ninguém, dando um péssimo testemunho e não “abandona” Jesus, quer dizer, não “sai” da igreja se não vai para o inferno.


          Uma coisa interessante que encontrei em minhas análises do texto é que o Léxico de James Strongs traduz a palavra insípido do grego "moraino" que significa: Ser tolo, agir tolamente. Se seguirmos por essa linha descobrimos algo mais interessante; Tolo nas Escrituras é alguém que não age com sabedoria. Preste atenção ao conceito de sábio nas escrituras. Para isso quero diferenciar a sabedoria da inteligência e do conhecimento porque às vezes utilizamos estas palavras com a mesma conotação.


   Conhecimento = Informações que armazenamos em nossa mente. Informações das mais diversas. Pode ser da cultura popular, história, geografia, ciências etc.
Inteligência = A capacidade de absorver informações. Uma pessoa pode ter uma maior ou menor capacidade de absorver informações. Aqueles com capacidade acima da média são considerados superdotados. Inteligência não tem nada a ver com sabedoria. Um indivíduo pode ser muito inteligente, ou seja, pode armazenar muita informação em seu cérebro, mas pode não saber utilizar essas informações de forma sábia. Isso nos remete para a nossa próxima definição:
Sabedoria = A capacidade de no dia-a-dia utilizar as informações que obtemos de forma que isso contribua para o nosso bem e para o bem de todos.

          Parece que nada disso tem nexo com o nosso assunto, mas perceba uma coisa: Todos os dias os cristãos tem recebido muitas informações ao ler a Bíblia, ao ouvir pregações, ao ler livros, assistir DVDs de estudos bíblicos e etc. A grande questão é: O que temos feito com todo este conhecimento que temos recebido? Que mudanças significativas estamos vendo em nossas vidas e na vida daqueles que estão ao nosso redor?
          Temos agido tolamente. Não temos influenciado o meio onde vivemos. A Baixada Fluminense por exemplo, região onde moro atualmente e o Município de São Gonçalo, ambos no Rio de Janeiro possuem o maior percentual de crentes por metro quadrado da América Latina e do Mundo e o índice de criminalidade, homicídio, prostituição, pedofilia e outros crimes tem aumentado vertiginosamente!
          Há algo errado conosco e ninguém se dá conta disso. Todos acham que isso é normal e fatídico. As pesquisas mostram que perto de 2020 o Brasil terá 50 % (cinqüenta por cento) da população declarando-se evangélica, entretanto essas mesmas pesquisas mostram que os evangélicos abrirão mão de princípios que defenderam a vida inteira! Outro fato alarmante para nós evangélicos é que a maior parte das pessoas que estão nas penitenciárias é composta por filhos de evangélicos! É isso mesmo! Há muitos filhos de evangélicos nas penitenciárias!
          O que está acontecendo com as nossas famílias? Por que o índice de divórcio cresce em nosso meio a cada dia mais? Por que tantas pessoas tem saído pelas “portas de trás” das nossas igrejas (desviados)? Por que tanta fofoca e maledicência em nosso meio? Por que tanta briga por causa de cargos? Por que tantos salafrários e tantos mercenários da fé? Por quê? Por quê? Por quê?

A revolução dos humildes


          Outra coisa que precisamos destacar no texto é extraída das perguntas: para quem Jesus dirigiu as palavras de Mt 5.13? Qual era o público de Jesus naquele instante? Qualquer um poderia ser levado a pensar que Jesus estava se dirigindo a elite religiosa de sua época: Fariseus, saduceus, essênios e zelotes, mas não. Jesus não se dirigiu a estas pessoas porque elas estavam longe de compreender os propósitos dele e reconhecê-lo como Messias. Estas pessoas viviam uma fé oca, fria, vazia e hipócrita.

Para quem Jesus então dirigiu estas palavras? Retorne ao contexto anterior. Leia Mt 4.23-25.

“Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo. E a sua fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou. E da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e dalém do Jordão numerosas multidões o seguiam.”

            Este era o povo que ouvia a Jesus naquele momento. Jesus dirigiu suas palavras a pessoas comuns. Como disse Caio Fábio, “Jesus dirigiu suas palavras a pessoas sem pedigree, sem grife religiosa”. Jesus confiou as suas palavras a pescadores, pobres, desafortunados, doentes, prostitutas, fiscais traidores, carpinteiros e marceneiros, agricultores e a outras pessoas simples.

Me ponho a perguntar: Por quê? Por quê? Por quê?

          Sabe por quê? Porque esta gente simples tinha o poder de transformar o mundo! Será?! Este era o plano de Jesus. Perceba que do colégio apostólico ninguém tinha predominância religiosa na sociedade. Quem eram Pedro, Tiago e João, os três principais apóstolos? Simples pescadores! Havia um cobrador de impostos que era considerado um “traíra”, um zelote arrependido (Simão, o Zelote), um ladrão e outros que só sabemos os nomes e pouquíssimos detalhes. Você sabe quem “patrocinava” financeiramente o ministério de Jesus? Veja este texto: “e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens.” (Lc 8:3) Havia mulheres que ajudavam a manter o ministério de Jesus! Mulheres simples e algumas anônimas.
          Dentre os demais discípulos poucos se destacavam por ter dinheiro, poder ou ordenação religiosa. Como já disse, todos eram pessoas simples. Um político como José de Arimateia ou um médico como Lucas eram a minoria.
          Jesus confiou a pregação do evangelho a estas pessoas porque sabia que elas teriam capacidade de entender o Reino com mais facilidade do que os religiosos. Estas pessoas simples teriam muito menos paradigmas para quebrar do que os religiosos. Estas pessoas simples conseguiriam levar o Evangelho a todas as outras pessoas simples de todo o império Romano e esta “coqueluche” do evangelho atingiria em pouco tempo todo o império. Acho que líder algum teria a coragem de fazer o que Jesus fez, de usar a estratégia que Jesus utilizou. Jesus não pensou em multidões, apesar de estar dentre a multidão constantemente. A sua estratégia foi partir do grande grupo para o pequeno grupo. Dentre a multidão ele investiu nos discípulos e dentre os discípulos ele treinou pessoalmente doze deles. Ele poderia ter treinado muitos de uma só vez, mas não fez. Poderia procurar ter a influência dos poderosos políticos de sua época, mas não apeteceu. Apesar de falar constantemente em dinheiro, Jesus não se utilizou de estratégias mirabolantes para arrecadar dinheiro do povo a fim de financiar suas viagens evangelísticas.
          Em nossa concepção, se não tivermos um templo para se reunir, se não tivermos o apoio da hierarquia religiosa e dos políticos e se não tivermos dinheiro não poderemos pregar o evangelho. Estaremos assim fadados ao fracasso. A estratégia de Jesus foi: Pessoas simples, sem dinheiro, sem influência religiosa ou política, sem a educação formal da época e sem muitos outros atributos ou adjetivos que iriam pregar a sua mensagem no dia-a-dia para os seus parentes e amigos.
          Qual foi o resultado da estratégia de Jesus? Bem, a história nos mostra; em praticamente cem anos eles alcançaram praticamente todo o Império Romano. Mesmo sob todas as ameaças de morte devido a perseguição, o que durou até o ano 312 d.C. eles conseguiram influenciar o império a ponto de um Reino pagão adotar o cristianismo como religião oficial!
          Não deveríamos ignorar os princípios da estratégia de Jesus, mas infelizmente temos ignorado. Mesmo com televisão, rádio, internet, imprensa e outros meio de comunicação e outras formas de treinarmos ou mobilizarmos os cristãos não conseguimos os resultados que os discípulos tiveram. Os humildes provocaram uma revolução mundial!

Sal na fonte das águas
          Para encerrar, gostaria de analisar mais um texto que fala sobre o sal alegoricamente. Leia o texto de 2Rs 2.19-22.


“ Os homens da cidade disseram a Eliseu: Eis que é bem situada esta cidade, como vê o meu senhor, porém as águas são más, e a terra é estéril. Ele disse: Trazei-me um prato novo e ponde nele sal. E lho trouxeram. Então, saiu ele ao manancial das águas e deitou sal nele; e disse: Assim diz o SENHOR: Tornei saudáveis estas águas; já não procederá daí morte nem esterilidade. Ficaram, pois, saudáveis aquelas águas, até ao dia de hoje, segundo a palavra que Eliseu tinha dito.” 

a) A cidade era bem situada – Nossas igrejas, salvo uma minoria estão bem localizadas. Estamos nas principais cidades de nossa nação. Estamos em bairros e regiões boas onde há uma boa perspectiva de crescimento.
b) As águas eram más – As nossas cidades e bairros são bons, mas as águas são ruins. Sem boa água não há vida. Sem água nas cidades não se pode sobreviver. Esta reclamação chegou aos ouvidos do profeta Eliseu e chega aos nossos ouvidos hoje.
c) A terra era estéril – Apesar de bem localizada a terra era estéril. Não produzia nada. Nossas igrejas, nossos crentes - e por que não dizer nós - estamos estéreis. Não temos gerado a vida de Deus em outras pessoas; não temos gerado novos discípulos na proporção que deveríamos ou com a qualidade necessária para que uma tremenda multiplicação aconteça.

O que o profeta fez diante desta situação?

1. Pediu um prato novo – O prato novo representa uma “nova visão” ou estratégia que leve em consideração os princípios bíblicos. Mas o importante aqui é estarmos abertos as mudanças, estarmos abertos so “novo” de Deus para as nossas vidas. Não é apenas copiar modelos e práticas de outras igrejas, mas procurar uma direção dos céus.
2. Colocou sal no prato – Podemos ter uma nova estratégia, uma nova visão, um novo modelo, entretanto se não ensinarmos as pessoas a ser sal não obteremos o sucesso desejado. Precisamos ser sal tirado do saleiro para o uso. Dentro do saleiro não serviremos para nada. Tirar o sal do saleiro é condição sine qua non para que qualquer método ou modelo de evangelismo funcione dentro dos padrões bíblicos.
3. Colocou sal no manancial das águas – O profeta não jogou o sal no meio do rio. Ele foi até a fonte do rio. Se o sal fosse jogado a quilômetros, ou a uma longa distância do manancial iria embora e não cusaria nenhuam transformação. Os nossos métodos evangelísticos dentro e fora do templo não estão funcionando. Não podemos continuar com o nosso método de levar as pessoas aos nossos templos para lá elas ouvirem as nossas músicas, assistirem aos nossos shows, ouvirem os nossos sermões. Estamos no meio do povo, contudo não conseguimos persuadi-los com a pregação do evangelho. Não estamos causando transformação na sociedade. Precisamos ir às fontes das águas. O que isso representa? Ir às fontes de uma cidade é ir aonde uma sociedade é formada. A célula mater da sociedade é a família. Precisamos levar o evangelho às famílias da nossa cidade. A tevê, a internet, a rádio e todos os meios de comunicação podem ajudar, contudo se não tivermos um contato direto com as pessoas não coseguiremos persuadí-las. A pregação através dos meios de comunicação é destituída de calor humano, de relacionamentos. Ela é boa como saturação, como proclamação, como semeadura; precisamos de colheita! As famílias estão se desintegrando e se com a nossa pregação uma pessoa se converter ela estará em contato com uma nova família. Se esta pessoa tiver a vida completamente transormada ela será uma testemunha viva do evangelho entre os seus parentes e amigos. Este é o modelo que Jesus nos deixou. Este foi o modelo de evangelismo que funcionou e que a igreja abandonou. Pessoas simples sendo testemunhas vivas do evangelho em meio à sociedade.
4. Palavra profética – Por último, devemos em nome do Senhor declarar uma palavra profética para nossa cidade. A igreja tem um ministério profético e precisamos levar isso a sério. Através das nossas ações e orações as nossas cidades e bairros poderão ser mudados, transformados.

Conclusão

          Como está a sua vida? Você tem sido sal em uma catedral ou tem levado gosto onde há desgosto? Você pastor, já pensou seriamente que o evangelismo da igreja não pode ser limitado a um departamento que não funciona e onde poucas pessoas se envolvem? O que você tem feito para envolver toda a igreja no evangelismo?
          Todos nós, quer sejamos pastores, líderes ou simples membros, precisamos repensar seriamente se temos levado a sério os ensinos de Jesus. Não podemos nos corromper, não podemos ser tolos. Precisamos obedecer.

Pr. Valdecy de Jesus Marques

                                               03 de outubro de 2010

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