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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

TU ME AMAS? CUIDE DAS MINHAS OVELHINHAS! (1ª parte)




“Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia as minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas.” (João 21:15-17)

           Deus às vezes nos surpreende! Tenho um prazer enorme em escrever e nos últimos meses tenho sido levado a escrever sobre o amor de Deus. Não que eu queira, mas tudo que tenho escrito é resultado de momentos de comunhão com Deus de onde vêm as minhas pregações e estudos. Quando vou orar preciso sempre ter às mãos um caderno de anotações para não deixar passar aquilo que o Espírito Santo traz ao meu coração. Eu comecei dizendo que Deus às vezes nos surpreende porque em um dia desses pela manhã estava me preparando para ir para o templo orar e em minha mente estava a conversa de Jesus com Pedro: “Tu me amas... apascenta os meus cordeiros”. De minha casa até o templo eu levo em média 13 minutos e neste dia fui bem mais devagar, a fim meditar no texto. Surgiu-me uma indagação: Qual a conexão entre amar a Jesus e apascentar ou cuidar das ovelhas que Jesus deixaria após subir aos céus? Podemos ser simplistas e dizer que um pastor precisa amar as ovelhas, mas por que Jesus insistiu por três vezes? Por que na terceira vez Pedro se entristeceu? Cheguei ao templo com tudo isso em mente e neste dia eu não estaria sozinho como de costume, pois era domingo e o ministério de intercessão logo, logo chegaria para orar. Assim durante o período de oração a líder do ministério de intercessão me pediu para dar uma palavra e eu falei que estava com o texto em mente e conversei com eles sobre o que já tinha vindo em mente, porém disse que analisaria o texto com mais calma, pois sabia que o Espírito queria ministrar algo ao meu coração e ao coração da igreja.
          Voltei para casa após a oração e corri para as Bíblias, livros, léxicos, dicionários, comentários e tudo o que disponho de material no intuito de fazer uma exegese do texto. O interessante é que quando percebi lá estava eu novamente analisando o assunto AMOR! Tive mais certeza de que tudo o que tenho escrito tem uma razão particular, mas também em relação a ensinar a igreja a qual sirvo sobre o amor de Deus, além de contribuir com artigos que têm abençoado a vida de muitas pessoas. Comecei a analisar o assunto amor com o artigo “Amantes ou prostitutas”, depois, “como tirar o cisco do olho do irmão”, “um coração arrebatado e acelerado por Jesus” e “identificação”.
          Tenho falado muito sobre o amor ágape e conseqüentemente sobre o amor como atitude, mas percebo que muitas pessoas ainda não conseguiram compreender isto muito bem, pois o paradigma que temos para amor nos leva a pensar em sentimentos e não em atitudes e essa é a principal razão do porque não entendemos a pergunta de Jesus a Pedro.
          Sei que talvez você já tenha estudado o texto em questão ou ouvido pregações e estudos a respeito, mas através desta análise fui levado a estudar minuciosamente a palavra AMOR encontrada na Bíblia e me surpreendi em perceber como nós crentes às vezes falamos sobre um assunto tão profundo, contudo de maneira tão superficial. Eu já havia lido sobre as palavras que foram traduzidas do grego para o português como amor, entretanto eu mesmo não havia feito uma análise pessoal e foi aí que percebi que tudo o que já havia lido a respeito ainda era superficial e que a maioria dos cristãos entende o amor de Deus e conseqüentemente o amor ao próximo também tão superficialmente.

Analisando o texto

          Para iniciar precisamos entender que no grego há quatro palavras que são traduzidas para o português como amor e no texto analisado encontramos duas delas. Encontramos no texto as palavras
 acapar (agapas) que vem da forma nominal (substantivo) “ágape” e da forma verbal “agapao”. Também encontramos a palavra “Filos” que vem de filew (phileo), forma verbal e filia (filia), forma nominal. Para facilitar nossa compreensão, ainda que seja uma redundância vou utilizar as expressões “amor ágape” e “amor filos”. Analisaremos todas as quatro palavras mais adiante.
          Abaixo você pode observar o texto bíblico com as palavras gregas para amor em adendo e grifadas e também perceba que acrescentei e grifei as palavras gregas para “apascentar e pastorear” e “cordeiros e ovelhas” que também serão necessárias para a compreensão do texto. ATENÇÃO: Lembre-se de instalar as fontes gregas enviadas em anexo para que você possa visualizar os caracteres gregos. Vamos ao texto bíblico:

15. “Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me [ágape] mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo[filos]. Ele lhe disse: Apascenta [boskw  - bosko] os meus cordeiros [arnion  - arnion].

16. Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas [ágape]? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo [filos]. Disse-lhe Jesus: Pastoreia [poimainw - poimaino] as minhas ovelhas [probaton - probaton].

17. Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas [filos]? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas [filos]? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo[filos]. Jesus lhe disse: Apascenta [boskw  - bosko] as minhas ovelhas [probaton - probaton].”

Releia o texto cuidadosamente e perceba que:

a) Nos versículos 15 e 16 Jesus faz a pergunta utilizando amor ágape e Pedro responde com amor Filos. 


b) No versículo 17 tanto Jesus quanto Pedro usam amor filos. 


c) Perceba que as palavras (apascenta – pastoreia) e (ovelhas – cordeiros) são traduções de termos gregos diferentes.


          Ao ler o original surge logo uma dúvida: Por que Jesus usou amor ágape e Pedro respondeu com amor filos? Como há um abismo cultural e idiomático entre a nossa cultura e a cultura helênica na qual os discípulos estavam inseridos é difícil entendermos o texto com clareza. Por isso antes de continuarmos com a análise do texto será necessária uma análise das palavras gregas traduzidas como amor e a utilização delas no contexto histórico da época.

OS QUATRO TIPOS DE AMOR



          Os gregos possuem quatro palavras em seu idioma para expressar o que em português chamamos generalizadamente como amor. As palavras são: ágape, Eros, Storge e filos. Cada palavra expressa algo diferente.

          Quando lemos na Bíblia sobre amar a Deus ou amar ao próximo a leitura que fazemos é através das lentes de paradigmas culturais e do nosso vernáculo que estão distante daquilo que a Bíblia realmente quer dizer. Nós dizemos que amamos e gostamos de pessoas, objetos, lugares, comidas, roupas e muita coisa mais. Entretanto, o que realmente queremos dizer quando afirmamos que amamos ou gostamos destas coisas?

          Como já disse, já havia lido a respeito do assunto e descobri que tudo o que tinha estudado até agora era superficial. Alguns estudos nem trazem a palavra “storge” e a maioria nem sabe quais destas palavras realmente são encontradas no texto sagrado. 


Eros – paixão, romance
          O substantivo “eros” e o verbo “éreo” eram utilizados pelos gregos para denotar uma paixão ou um forte sentimento. Apesar dos termos serem utilizados para denotar a paixão da ambição ou a paixão do patriotismo o termo era mais freqüentemente utilizado em relação à paixão física e sexual. Eros deve remeter-nos a uma atração física ou a um romance.
          Eros hoje é visto como algo ruim e que não é salutar para um cristão, entretanto entenda uma coisa; todo casamento precisa de Eros, de atração física, de romance, o grande problema é que desde os tempos do Novo Testamento esta palavra acabou sendo sinônima de erotismo. Eros era o nome grego da figura miológica romana chamada de cupido. Os gregos sabiam bem que Eros é um amor egoísta e por isso esta palavra tem um sentido pejorativo. Se procurarmos uma palavra no português para definirmos Eros a melhor delas seria “Paixão”. Entretanto lembre-se que já falamos que o problema da paixão é quando ela vira uma obsessão. Aquele sentimento que nutrimos por alguém que nos leva a sonhar, a planejar, a viver a vida mais alegre não tem nada de mais. A grande questão é que Eros não é muito racional e aqueles que se apaixonam sem utilizar a racionalidade avançam para uma obsessão desmedida. 
          Ao contrário do que eu pensava e do que muitos ensinam, esta palavra não é encontrada no texto do Novo Testamento. A septuaginta que é a versão grega do Antigo Testamento hebraico utiliza Eros, por exemplo, em Provérbios 7:18, entretanto nem os evangelistas, muito menos Paulo ou outro escritor do Novo Testamento utilizaram o termo.


Storge – Lealdade por laços familiares


          O amor Storge é o menos conhecido de todos. Apesar de ser utilizada para se referir a lealdade a um governante ou a uma nação, esta palavra era utilizada para se referir aquele sentimento ou atitude de lealdade entre familiares. Nos orgulhamos da nossa cidade, país, empresa etc. Esta é uma expressão hodierna do amor storge, mas a palavra era mais costumeiramente ligada aos laços entre familiares. Às vezes não temos muita afinidade com um parente, mas somos leais a ele, o defendemos e se for necessário cuidaremos dele em caso de doença porque moralmente nos sentimos obrigados a isso, mesmo que não haja afeto ou afeição.

          Esta palavra aparece três vezes no Novo Testamento. Duas vezes precedida do prefixo “a” significando “sem amor” ou “sem afeição”, leia Rm 1.31 e 2Tm 3.3, e uma vez em Rm 12.10 associada a filos (filostorgos). Se quisermos resumir o amor storge em uma só palavra podemos nos lembrar de lealdade.

Filos – afeição (gostar)


          Esta era a palavra mais comumente utilizada pelos gregos. As várias derivações e declinações desta palavra como filia, filein e fileo eram utilizadas para expressar afeição e sentimentos calorosos por uma pessoa ou por algo como cidades, objetos, pessoas etc. Wendell Broom chama esse tipo de amor de “amor time de futebol”. Ele usa essa designação porque há uma troca mútua, um compartilhar. Em geral, baseia-se numa apreciação recíproca que pode ser destruída se um ou outro não for recíproco. Por exemplo: digamos que você é um bom jogador de futebol, e eu também e assim nós dois somos ótimos jogadores. Gostamos de estar no mesmo time de futebol. Mas você começa a beber demais e você é um zagueiro que não consegue mais cumprir sua função. Resultado: você é tirado do time de futebol. Por mais caloroso que seja o amor filos, ele tem suas deficiências. O amor filos é condicional e seletivo. Em relação às pessoas elas precisam preencher alguns requisitos para que gostemos dela. Por exemplo: Um marido ou uma esposa que pisam na bola perdem a confiança e o amor do seu cônjuge. Os amigos precisam ser leais, se não nos afastamos deles. Há casos onde pessoas tinham muita afinidade, eram muito amigas, entretanto alguma coisa aconteceu e elas passaram a se odiar e se tornaram inimigas. Alguns estudiosos do grego gostam de traduzir esta palavra como “gostar”.


Ágape – Amor sacrificial, incondicional. Um ato da vontade

          É interessante saber que os gregos não utilizaram muito esta palavra. Da mesma forma que João deu um novo sentido ao termo logos utilizado pelos gregos os escritores do Novo Testamento pegaram uma palavra hermética e infundiram nela um significado que ela nunca tivera antes. Fizeram dela “a principal palavra do cristianismo, seu segredo mais íntimo, seu sinal externo, sua marca singular”. 
          O amor ágape é um amor incondicional, sacrificial e reflete um ato da vontade. Tenho falado que o amor é atitude muito mais do que sentimento e muitas pessoas não entendem isso, pois como já falei os parâmetros que elas têm para amor são baseados em sentimentos. 

          Perceba como o Novo Testamento mostra o amor ágape como um ato da vontade quando Jesus nos pede para amar os inimigos; Você acha que alguém vai acordar de manhã com um profundo desejo de abraçar aquele chefe, patrão, vizinho ou pessoa que lhe faz algum mal? É claro que não! Para amar o inimigo a primeira coisa a fazer e respeitá-lo e depois agir com sabedoria para não contrariá-lo e estar disposto prestar atos serviço a ele se necessário for sem resignação alguma. Em 1Co 13 Paulo descreve o amor como: benignidade, bondade, mansidão, sofredor, paciente, pacífico e outras atitudes. Paulo utilizou atitudes e não sentimentos para expressar o amor. Lembre-se também da história do bom samaritano; Esperava-se que o sacerdote ou o levita ajudassem ao homem ferido no caminho, entretanto eles não o fizeram e o samaritano que era visto como um inimigo pelos judeus foi quem o ajudou. O samaritano mostrou atitudes. 

          Somente através do amor ágape seremos levados a nos identificar com a vida e o sofrimento dos outros. Por natureza somos egoístas; pensamos apenas em nós. O amor ágape no faz pensar e agir pelos outros. Agora, entenda uma coisa: O amor ágape não é isento de emoção, afeição e sentimento. Esta observação é imprescindível porque é fácil assumir um olhar clínico e dar à palavra um tom frígido e ríspido.

          Para reforçar, preciso relembrar-lhe que a principal característica do amor ágape é que ele é incondicional, ou seja, não impõe condições para amar. Ele ama como um ato da vontade.

Diferenciando Melhor as quatro palavras



          Para concluir e para que você possa entender melhor cada uma dessas palavras vou citar parte de um artigo de David Roper que muito lhe ajudará. Vou apresentar-lhe três rápidos contrastes entre os quatro tipos de amor que estudamos: 



Eros diz: “Estou atraído por você”. Storge diz: “Sou seu parente”. Filia diz: “Eu realmente gosto de você”. Ágape diz: “Eu te amo”. 


Eros se baseia nas glândulas. Storge se baseia nos laços genéticosFilia se baseia nas emoções. Ágape se baseia numa decisão, um ato de vontade



Eros diz: “Eu te amo porque estou atraído por você”. Storge diz: “Eu te amo porque somos parentes”. Filia diz: “Eu te amo porque gosto de estar com você”. Ágape diz: “Eu te amo”, não “eu te amo se…” nem “eu te amo porque…”, mas simplesmente “eu te amo”. 

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Obs.: Na segunda parte deste artigo vamos retornar ao texto bíblico para analisá-lo sob a ótica de tudo o que vimos aqui sobre estas quatro palavras.

Fim da 1ª parte
                                                     Pr. Valdecy de Jesus Marques

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